O estresse pode ser considerado uma situação que coloca o indivíduo preparado para a luta ou para a fuga. Porém, quando mantido na mesma situação por período prolongado, algumas alterações fisiológicas começam a surgir. Muitos chamam isso de efeito psicossomático, mas equivocadamente, descrevem o fenômeno como passível de alteração e controle. Abaixo o depoimento de um executivo, com mais de 35 anos de carreira, em posições técnicas e de liderança e em empresas nacionais e multinacionais. Em seguida uma breve análise dos efeitos do estímulo estressor prolongado, bem como possíveis medidas para enfrentamento.
“Fui executivo por mais de 35 anos e na maior parte do tempo em empresas multinacionais americanas. Minha carreira pode ser considerada de sucesso uma vez que na média, a cada 2 anos eu recebia convite para novas funções e responsabilidades, promoções laterais, diagonais e verticais e que culminou com a função de CEO da subsidiária brasileira de uma das empresas, a mesma onde permaneci por mais tempo e que o cargo de Presidente foi também o cargo onde permaneci por mais tempo.
Tudo isso tem seu lado muito bom de realização profissional, sustentabilidade econômico financeira da vida e da família, muitas histórias para contar. Mas tudo isso também tem e teve, no meu caso, um custo razoável.
O estresse em níveis normais é inerente ao ser humano e de certa forma é parte de nosso comportamento programado, para sobrevivência. Nível de prontidão, respostas às ameaças, reação positiva ao estado de medo etc.
Na vida executiva há quem acredite que um nível de estresse eleva a produtividade do profissional.
Talvez seja verdade.
O problema é que o sistema de gestão de pessoas, estabelecimento de metas e cobrança destas metas, sempre crescentes, leva os profissionais, em geral, a um nível muito elevado de estresse, de forma permanente. Isso é, o nível de adrenalina no organismo vive acima da média. O Cortisol entra em cena para nivelar as coisas e também vive em porções elevadas neste mesmo organismo. Tudo se desequilibra.
Enquanto o organismo tenta se reequilibrar suas energias são devotadas aos desafios e conflitos que o modelo impõe. Logo o cérebro é ocupado e treinado para reagir ao desequilíbrio e manter o estado de prontidão e de coragem. Neste momento não há pratica de atividade física que resolva. Ameniza mas não resolve. Não há Lexo tan que resolva. É bem complicado.
Os sintomas de estresse crescente vem em geral, ou pelo menos no meu caso, de aumento da disposição para horas adicionais de trabalho, ritmo acelerado de raciocínio e estudos para solução de problemas, tempos adicionais dedicados às pessoas da equipe, de modo a manter a motivação elevada, espírito de equipe forte e, portanto, performance e entregas também de acordo com o planejado.
O tempo é disciplinado para o trabalho e para os projetos. O tempo é indisciplinado para a vida pessoal e familiar. A alimentação perde a disciplina, em termos de horários, quantidades e mesmo na composição mais ou menos saudável. O sono pode sofrer na qualidade, pois na quantidade é certo que sofre.
Em breve o organismo de cada um reage de sua própria forma. No meu caso as descargas de adrenalina involuntárias vieram cada vez maiores e mais frequentes, sempre abdominais, portanto sem a taquicardia muito comum para muitos. Em seguida as descargas de adrenalina passaram a ocorrer justamente no momento de relaxamento para dormir, já deitado e em fase de buscar o sono. Neste momento um fenômeno adicional veio. Eram os formigamentos no lado esquerdo do corpo desde a face até o pé. Nem preciso dizer que esta sensação te faz pensar no pior. Fui até a Cintilografia com esforço para saber que não era cardiopatia! Na evolução do quadro a pior sensação viria em seguida. Na hora em que eu estava quase dormindo, portanto com as ondas cerebrais provavelmente em Alpha, a sensação de que eu sairia do meu corpo, pela cabeça, só aumentava a adrenalina e a sensação de medo do desconhecido. Alguém me falou para deixar sair que eu voltaria. Não consegui. Era começar a sair pela cabeça e eu acordava e me sentava na cama. Pode imaginar o sono reparador quando vinha? Só depois de passar estes efeitos!
Alguns têm no pico do estresse o chamado Burnout, mas outros seguem como a hipertensão, é invisível no começo até que vem para balançar as estruturas. Acho que Estresse normal realmente é bom e saudável, mas passar do ponto não é recomendável para ninguém. Se ele vem de ansiedade, trauma, medos ou ameaças, só é importante salientar. Trabalhar fazendo o que te realiza e que gosta, até 14 ou 16 horas por dia não gera Estresse. Quem gera estresse são componentes do sistema de gestão e do clima da organização e por vezes a cultura. Outro ponto gerador de estresse feroz é o conflito de valores entre você e a empresa ou você e seu chefe.
Evite isso!”
A sensação de pressão, desconforto, estilo de gestão, estabelecimento de metas, tudo isso podemos considerar como estímulos estressores, mas de onde eles surgiram? Bom, para isso vamos tentar analisar friamente o que ocorreu com este executivo. Primeiramente que o trabalho (no mundo moderno) por si só nunca será responsável por causar tamanho desequilíbrio em um indivíduo, mas a importância que o indivíduo dá ao seu trabalho, ou consequências do mesmo, interfere diretamente no processo apresentado a seguir.
O corpo do ser humano funciona muito bem dentro de um processo chamado homeostase, isso significa que mesmo diante de eventuais situações de estresse, que despertariam ansiedade ou medo, o funcionamento harmônico do organismo não é afetado. Diante de tamanha importância dada ao trabalho, ou por suas consequências (nestas podem ser considerados o salário, o resultado, o crescimento, etc.) e a exposição à situações críticas constantes, o que seria apenas resultado de uma situação natural de vida ou de morte, passa a ser cotidiana. Como discutido no texto anterior, reações fisiológicas naturais e correspondentes a ansiedade, são: alteração na frequência cardíaca, aumento da produção de suco gástrico, enrijecimento muscular, alterações na qualidade do sono, etc.
No caso apresentado acima o executivo passou por diversas destas alterações fisiológicas, talvez pelo fato de dar tamanha importância à carreira e ao trabalho não tenha entrado em um quadro de Burnout, “workahólics” geralmente tendem a aceitar melhor as alterações fisiológicas geradas por estresse no ambiente de trabalho, bem como teimam em não entender os riscos de desenvolverem problemas maiores, como depressão, transtorno de ansiedade generalizada, sem contar doenças cardíacas, gástricas, etc.
Existem duas formas de enfrentamento para situações ou quadros como esse. Ambas podem estar entrelaçadas. A primeira é o enfrentamento com foco no problema, enquanto a segunda se encontra no enfrentamento com foco na emoção. Para pessoas como o executivo acima, técnicas de relaxamento e normalização dos estados fisiológicos (foco na emoção) talvez tenham maior efetividade, pois não propõe uma mudança de postura frente ao ambiente (interno ou externo). Focalizar no problema seria buscar formas alternativas de lidar com o ambiente, seja ele físico ou ambiente interno, como valores, conceitos, etc.
Apesar destes efeitos fisiológicos e psicológicos atingirem grande parte da população, não só executivos, pouquíssimas pessoas buscam ajuda e apoio como estratégia de prevenção. Geralmente esta busca vem quando a pessoa já chegou ou está para chegar ao seu limite.
Algumas “estratégias” realmente se mostram efetivas para ajudar um indivíduo a conviver com as situações estressoras, bem como mascarar alterações fisiológicas e psicológicas, são elas: uso do álcool, drogas (remédios controlados e drogas ilícitas), prática de esportes.
Destas acima nem preciso falar que apenas a prática de esportes supervisionada é saudável, certo? As demais são apenas mais fáceis. Sempre é mais fácil fugir de sentimentos negativos do que enfrentá-los. Isso requer disciplina, motivação e compreensão.
Sugiro, por último, conhecer e respeitar sempre seus limites, antecipar-se às situações estressantes, criar estratégias de enfrentamento com ajuda especializada e não se comparar com outros colegas e amigos. Nem sempre o que é estressante para um é estressante para outro, bem como o que é aceitável ou motivador também pode ser diferente entre indivíduos. Bom trabalho a todos!